domingo, 26 de abril de 2009

do pouco que sobrou.

Do pouco que sobrou ainda me resta muito, muito tempo pra construir coisas novas e então mudar a frase. Rimas baratas e uma vontade sem igual de entender todo esse pouco caso que o mundo faz. Sobra pouco porque muito a gente dá. Dá pra alguém que usa um dia e joga fora, pra um que ri da nossa cara e para outro que não sabe o que fazer com aquilo.

Mas o que a gente dá afinal?

Dá carinho, dá colo, dá conselhos, dá abraços, dá beijos, dá cartas, dá amor. E isso para que no final alguém levante e vá embora. Vai embora sem nos dar um beijo na testa ou deixar um recado pendurado na geladeira.
Por isso deixo claro, desse pouco que sobrou, não dou pra mais ninguém. Tá bom, eu dou pra você que me acompanhou por essa vida toda, dou pr'aqueles que me fazem sorrir de verdade. Mas nada de dar pra pessoas vazias, dar à toa. É pouco. E preciso desse pouco pra continuar e alcançar o muito de novo.
São poucos dias em que você sorri verdadeiramente, são poucas as tardes recheadas de gargalhadas e besteirinhas gostosas de se lembrar, são poucos os filmes que você assiste e sai sorrindo do cinema, são poucas as músicas que fazem aquele remorso passar, são poucas palavras para descrever algumas sensações.

Do pouco eu entendo.
Mas ainda tem muito, muito o que contar.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

por trás da vidraça.

"Cá entre nós: fui eu quem sonhou que você sonhou comigo?
Ou teria sido o contrário?
Sonhei que você sonhava comigo. Mais tarde, talvez eu até ficasse confuso, sem saber ao certo se fui eu mesmo quem sonhou que você sonhava comigo, ou ao contrário, foi quem sabe você quem sonhou que eu sonhava com você. Não sei o que seria mais provável. Você sabe, nessa história de sonhos — falo o óbvio —, nunca há muita lógica nem coerência. Além disso, ainda que um de nós dois ou os dois tivéssemos realmente sonhado que um sonhava com o outro, também é pouco provável que falássemos sobre isso. Ou não? Sei que o que sei é que, sem nenhuma dúvida:
Sonhei que você sonhava comigo. Certo? Não, talvez não esteja nada certo. Também não era isso o que eu queria ou planejava dizer. Pelo menos, não desse jeito embaçado como uma vidraça durante a chuva. Por favor, apanhe aquele pequeno pedaço de feltro que fica sempre ali, ao lado dos discos. Agora limpe devagar a vidraça — quero dizer, o texto. Vá passando esse pedaço de feltro sobre o vidro, até ficar mais claro o que há por trás. Lago, edifício, montanha, outdoor, qualquer coisa. Certamente molhada, porque só quando chove as vidraças embaçam. Será? Não tenho certeza, mas o que quero dizer, disso estou certo, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Agora penso que é também provável que — se realmente fui mesmo eu a sonhar que você sonhou comigo; e não o contrário — eu não estivesse sonhando. Nada de sono, cama, olhos fechados. É possível que eu estivesse de olhos abertos no meio da rua, não na cama; durante o dia, não à noite — quando aconteceu isso que chamo de sonho. Embora saiba que — se foi dessa forma assim, digamos, consciente — então não seria correto chamá-la de sonho, essa imagem que aconteceu —, mas de imaginação ou invento até mesmo delírio, quem sabe alucinação. Mas não, não é isso o que quero contar o que quero contar, sei muito bem e sem nenhuma hesitação, começa assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Parece simples, mas me deixa inquieto. Cá entre nós, é um tanto atrevido supor a mim mesmo capaz de atravessar — mentalmente, dormindo ou acordado — todo esse espaço que nos separa e, de alguma forma que não compreendo, penetrar nessa região onde acontecem os seus sonhos para criar alguma situação onde, no fundo da sua mente, eu passasse a ter alguma espécie de existência. Não, não me atrevo. Então fico ainda mais confuso, porque também não sei se tudo isso não teria sido nem sonho, nem imaginação ou delírio, mas outra viagem chamada desejo. Verdade eu queria muito. Estou piorando as coisas, preciso ser mais claro. Começando de novo, quem sabe, começando agora:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois que sonhei que você sonhava comigo, continuei sonhando que você acordava desse sonho de sonhar comigo — e era um sonho bonito, aquele —, está entendendo? Você acordava, eu não. Eu continuava sonhando, mas na continuação do meu sonho você tinha deixado de sonhar comigo. Você estava acordado, tentando adequar a imagem minha do sonho que você tinha acabado de sonhar à outra ou à soma de várias outras, que não sei se posso chamar de real, porque não foram sonhadas. Mas, se foi o contrário, então era eu, e não você, quem tentava essa adequação — nessa continuação de sonho em que ou eu ou você ou nós dois sonhamos um com o outro. Nos víamos? Quase consegui, agora. Preciso simplificar ainda mais, para começar de novo aqui:
Sonhei que você sonhava comigo. Depois, fiquei aflito. E quase certo de que isso não tinha acontecido. O que aconteceu, sim, é que foi você quem sonhou que eu sonhava com você. Mas não posso garantir nada. Sei que estou parado aqui, agora, pensando todas essas coisas. Como se estivesse — eu, não você — acordando um pouco assustado do bonito que foi ter tido aquele sonho em que você sonhava comigo. Tão breve. Mas tudo é muito longo, eu sei. Estou ficando cansativo? Cansado, também. Está bem, eu paro. Apanhe outra vez aquele pedaço de feltro: desembace, desembaço. Choveu demais, esfriou. Mas deve haver algum jeito exato de contar essa história que começa e não sei se termina ou continua assim:
Sonhei que você sonhava comigo. Ou foi o contrário? Seja como for, pouco importa: não me desperte, por favor, não te desperto."

(C.F.)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

aconteceu.

aconteceu. foi tão rápido que quando se deram conta tudo estava alagado. completamente cheio, água para todos os lados. baldes e baldes, e nada de diminuir. a cada minuto um pouco mais, mais água, mais. cheio, inundado.

faltou luz no bairro, tudo ficou apagado. era dia de festa e nada se via, o vento tratava de apagar todas as velas acesas. banho gelado, comida fria. silêncio total na vizinhança. ela foi deixada ali. ninguém apareceu. o garçom tentava disfarçar a surpresa, a amiga tentava acalmá-la. vergonha alheia. ele estava lá, mas tinha se esquecido.

aconteceu. o farol abriu e ela atravessou. caminhou mais uns quatro ou cinco quarteirões e sentou ali. as bochechas rosadas não a deixavam esconder a vergonha, mas o cigarro ia ajudando. a cada tragada ela se sentia mais forte, e após uns dois ou três conseguiria encarar de frente.

faltou coragem, tudo por água abaixo. era dia de ficar sozinha, o vento batia em seus cabelos e acalmava o coração. taquicardia, aperto. silêncio no quarto. ela deixou tudo ali e ninguém perguntou nada. ele estava lá, mas tinha se esquecido.

aconteceu. o sol apareceu no canto da janela e ela despertou. tomou uma xícara de café e saiu dali. seguiu andando até aquela praça de sempre, sentou-se e abriu o livro, leu: "dá um certo trabalho decodificar todas as emoções contraditórias, confusas, somá-las, diminuí-las e tirar essa síntese numa palavra só, esta: gosto.". isso. emoções contraditórias, gosto. ele sempre estava certo.

faltou vontade, tudo deixado para trás. era dia de levantar mais tarde, o vento batia forte contra as árvores e acelerava o coração. tranquilidade, paz. silêncio. ela foi embora e todo mundo se perguntou o porque. ele estava ali, mas tinha medo de dizer.

aconteceu.
ela foi para lá, e se esqueceu de dar tchau.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

o relógio;

o tempo passa, os dias começam e terminam, o ponteiro do relógio não para. ela está lá. o dia amanhece ensolarado, faz calor e as pessoas se apressam pelas ruas da cidade grande. ela ainda está lá. sai a primeira fornada de pão da padaria de esquina e o cheiro de café se espalha pelos arredores. ela permanece ali. os ônibus vão ficando cada vez mais cheios e os atrasados correm pelas calçadas. ela continua, permanece, fica ali e lá.

o ponteiro aponta o meio do dia e o sol vai embora. ela coloca um agasalho. a chuva chega trazendo o frio, o vento. ela abre o guarda-chuva. o céu fica preto, quase anoitece. ela observa gota por gota. na rua se vê vendedores ambulantes, gente correndo, água e mais água. ela sorri.

em cada gota um sonho. em cada sonho uma nova esperança. para cada esperança um frio na barriga. para cada frio na barriga um sorriso. um poço de risos e taquicardias. ela sempre esteve ali.

lá em cima os aviões continuam passando e a cada avião um medo. do alto da ponte se vê o trânsito de guarda-chuvas, e para cada guarda-chuva um desejo novo. ela continua caminhando por mais alguns minutos, então chega. fecha o guarda-chuva e a chuva se vai, o céu se abre. empurra a porta de vidro e o cachorro-de-rua ali fora encontra um cantinho seco para deitar. ela senta, chama por alguém. a música toca, a mesma música.

ela está, continua, permanece, fica, se agasalha, abre o guarda-chuva, observa gota por gota, sorri, sonha, tem esperança, sente frio na barriga, sorri novamente, sente o coração acelerar, diz que sempre esteve ali, sente medo, deseja, chega, chama.. e espera por alguém que não vai aparecer.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

daqui pro céu.

longe daqui, longe de tudo. e nessa longitude, nessa distância sem fim é que ele percebe as entrelinhas. é assim, e talvez, só assim que as coisas devam ser, por enquanto.

ele senta ali, e observa cada passo, cada onda, cada brisa diferente. é como se o vento levasse tudo que ele mais almejava, chegou e bateu.. ventou e se foi. e quem dirá que é tarde? as respostas ficam no ar e ha dúvidas por todo lado. ele sabe que não precisa mais disso, ele bate o pé e grita com todas as forças, mas não adianta. o que é de alma, fica na alma. dói como queimadura, arde, faz renascer e morrer mais um pouquinho a cada dia. ele sabe, ele sente, ele pensa.

mas então ele percebe. a vida nada mais é do que isso, pensamento atrás de outro, lágrima intrusa, coração pulsante, emoção e novidade a cada manhã. você pode não olhar para o céu, mas ele estará lá todos os dias te vendo, te observando, cuidando de longe, sentindo sua falta. o céu é grande e cheio de mistérios, mistérios que sua cabeça não consegue desvendar. mas desvendar é acabar com a graça, e do óbvio ele não gosta. ou talvez goste, mas prefere não deixar cair na rotina. rotina cansa, mas muitas outras coisas também o deixam cansado, vai entender.

a rua nunca esteve tão cheia, tão movimentada, tão insuportável. o céu estava bonito, azul, radiante, mas como pode? os dias passam rápido e as tristezas parecem passar mais devagar, os ponteiros viram no relógio... tão freneticamente que ele fica tonto. as pessoas continuam. muitas opções, muitas escolhas, se encontrar para se perder de novo.


e ele escolheu um caminho, pegou a direita e entrou no terceiro quarteirão à esquerda. e é lá. o coração está lá. o céu. agora é preciso recomeçar.